O Ministério da Saúde divulgou uma redução de 80%
nos casos de dengue registrados no país . Para contextualizar a boa
notícia, é importante lembrar que, no ano passado, a transmissão da
doença superou todas as experiências anteriores no Brasil: foram
notificados dois milhões de casos. O dado positivo também vem perdendo
força com notícias que chegam de São Paulo. A capital paulista assistiu
a um aumento de
55% no número de casos de dengue em uma semana e a incidência da
doença
cresceu 42% em comparação aos anos anteriores. Em Minas, até o
momento, foram confirmados 8.029 casos e sete mortes pela doença.
No Brasil, além de a incidência da doença estar numa crescente do ponto
de vista global, a gravidade dos casos também aumenta. Pesquisadores
brasileiros se debruçaram em 51 estudos realizados entre 2000 e 2010 com
o objetivo de compreender o comportamento da doença no país. Publicado
no periódico científico PLOS Neglected Tropical Diseases com o título
Epidemiological Trends of Dengue Disease in Brazil (2000–2010): A
Systematic Literature Search and Analysis a pesquisa mostra que o número
de mortes e a quantidade de hospitalizações têm crescido em razão não só
da alta incidência da doença, mas também em função da circulação
simultânea dos quatro sorotipos do vírus no país. No período analisado
foram contabilizados 8,44 milhões de casos – o maior volume em todo o
continente americano, sendo 221 mil casos graves, com mais de 3 mil
mortes.
Autores dessa revisão de literatura, João Bosco Siqueira Junior, Lúcia
Bricks e Maria Gloria Teixeira também observaram uma distribuição da
doença em todas as faixas etárias. A dengue, que era mais comum em
adultos jovens, também passou a acometer de forma sistemática crianças e
idosos. É importante lembrar ainda, que pelo fato de o sorotipo 4 do
vírus ter entrado no país há pouco tempo, a maior parte da
população com menos de 30 anos está susceptível à doença.
Para os pesquisadores, embora imprescindíveis, as ações de controle ao
mosquito não têm sido efetivas. Infelizmente, a população não está
sensibilizada para entender o impacto dos focos do Aedes aegypti dentro
das casas. Como ainda não existe uma vacina, a situação fica mais
complicada e a disseminação não para. Por isso, a recomendação continua
a mesma: para conter o avanço da epidemia, brasileiros precisam manter o
ambiente doméstico livre de criadouros do mosquito. E atenção para os
sinais de alerta da doença: febre alta, dor abdominal intensa, tontura
com desmaios e rompimento de vasos superficiais da pele.
O Saúde Plena conversou com o professor do Departamento de Saúde
Coletiva da Universidade Federal de Goiás, João Bosco Siqueira Junior,
um dos autores da pesquisa, que comenta os principais pontos do estudo
que analisou a dengue no Brasil .
Casos mais graves
Para João Bosco Siqueira Junior, a conclusão de que o Brasil vive o
crescimento da disseminação da doença, do número de internações e do
número de mortes, mostra a necessidade de usar todas as alternativas
tecnológicas disponíveis para controlar a transmissão da dengue. “Vimos
no ano passado a maior transmissão de dengue na história do Brasil. Não
temos uma resposta simples para isso porque é sempre multifatorial.
Fatores climáticos podem favorecer a reprodução do mosquito e a chegada
de um sorotipo novo de vírus também influencia. Notamos também que, em
anos de grandes epidemias temos um sorotipo predominando. Antes, era o
dengue 3; em 2008, o dengue 2; e, a partir de 2010, o dengue 1”,
explica.
Segundo ele, a alternância na predominância de um sorotipo do vírus
explicaria a razão de as crianças estarem se contaminando mais com o
passar dos anos. “Só o grupo que foi exposto anteriormente está
imunizado”, explica. Para ajudar a entender, uma criança que nasceu em
2010 pode não ter tido contato com o sorotipo 3 já que, nessa época,
predominava a circulação do sorotipo 1, por exemplo. No entanto, os
adultos de 2002 tiveram esse contato. Apesar de sempre predominar um
tipo de vírus, atualmente no Brasil circulam quatro sorotipos da dengue.
Outra razão, afirma João Bosco, é que a maioria das crianças não
apresenta sintomas. Por isso, a distribuição da doença por faixa etária
não refletir muito a realidade da disseminação. “Nas crianças os
sintomas costumam ser mais inespecíficos e mais leves. Além disso, elas
não conseguem dizer claramente o que estão sentindo”, diz. O pesquisador
vê com preocupação não só o fato de a doença estar atingindo mais essa
faixa etária, mas os casos graves também estarem aumentando.
SAIBA COMO COMBATER A DENGUE:
Dengue de novo
Se uma pessoa já teve dengue e tem contato com um outro sorotipo do
vírus a doença vai se manifestar sempre de forma mais grave? Segundo
João Bosco essa é uma das perguntas que rondam a doença ainda sem
reposta definitiva. “Sabemos que infecções sequenciais podem levar a
casos mais graves, isso acontece com algumas pessoas, mas não com todas.
O contato com o sorotipo não é um fator em si que determina casos mais
graves”, explica. Segundo ele, essa foi a razão de a Organização Mundial
de Saúde deixar de usar o termo dengue hemorrágica. “Não é só a febre
hemorrágica (quando a perda de líquido acontece dentro do corpo) que é
um caso grave de dengue”, explica.
Dor abdominal intensa, vômitos persistentes, tontura, queda de pressão
são sintomas que podem indicar casos de dengue grave. Qualquer um desses
sinais é motivo para procurar ajuda médica. João Bosco frisa que a
hidratação rigorosa é o tratamento contra a doença já que pode ocorrer
perda de líquido externo (diarreia) e perda de líquido interno (febre
hemorrágica). "Dengue deveria ser associada a aumentar o consumo de
líquidos”, reforça. O pesquisador alerta ainda que febre abaixando não é
indicativo de melhora do quadro da doença. “Casos graves acontecem
quando a febre está diminuindo, no quarto ou quinto dia da doença”, diz.
Nem a vacina isenta a população de participar
João Bosco salienta que a imensa maioria dos focos de dengue estão
dentro de casa. “A dengue deveria ser uma preocupação de cada cidadão no
Brasil. É preciso cada um ter compreensão e clareza de que nós todos
estamos em risco de adoecer. Se a população não participar, já está
claro que as ações públicas não vão funcionar sozinhas. E mesmo que
exista a vacina, ela não será uma medida mágica que vai acabar com a
doença no país. Até por que a vacina está sendo pensada para ser mais
usada em crianças”, informa.
Outro aspecto importante é que a febre amarela urbana é transmitida pelo
Aedes aegypti e temos também o Chikungunya, novo vírus que também é
transmitido pelo mosquito da dengue, e é ameaça real na América do Sul
Por isso, segundo o pesquisador, não se pode deixar de fazer o controle
do vetor transmissor.
Tecnologias de combate à dengue
O professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de
Goiás afirma que o Ministério da Saúde tenta acompanhar todas as
tecnologias disponíveis de controle à dengue. João Bosco cita, por
exemplo, uma armadilha para o mosquito adulto que consiste em infectá-lo
com uma bactéria (que não prejudique a saúde humana) que impede que o
Aedes aegypti seja contaminado pelo vírus da dengue. Outra alternativa,
ainda segundo o professor, é modificar o mosquito geneticamente,
liberá-los no meio ambiente, misturá-los a outros e, desse cruzamento,
os que nascerem não terem asas. “Junto com a vacina, essas experiências
são potenciais ferramentas de controle da doença”, afirma.
Pesquisadores também se esforçam para encontrar um método que
diagnostique a dengue com rapidez. Foi divulgado que a Universidade de
São Paulo (USP) desenvolveu um sensor que oferece o diagnóstico da
doença em 20 minutos. O método foi patenteado e aguarda avaliação da
Anvisa.