O COMPASSO DO MUNDO: A MAÇONARIA ATRAVÉS DA HISTÓRIA
TIAGO
CORDEIRO
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O compasso, o esquadro e o olho:
símbolos da sociedade secreta – Pixabay
O primeiro presidente dos Estados Unidos, George Washington, era
maçom. Depois dele, outros 16 líderes da nação mais poderosa do mundo também
foram: a lista inclui John Edgar Hoover, diretor do
FBI por 45 anos, e Harry Truman, o homem que autorizou o ataque com bombas
atômicas sobre o Japão.
Também fizeram parte da sociedade secreta dois políticos decisivos para a
vitória aliada na Segunda Guerra Mundial, o presidente americano Franklin
Delano Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Eram maçons
alguns dos mais importantes líderes da Revolução Francesa, como Jean-Paul Marat
e La Fayette.
O revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi e os libertadores da
América espanhola, o argentino José de San Martín e o venezuelano Simon
Bolívar, também. O articulador da independência do Brasil, José Bonifácio de
Andrada e Silva, pertencia à ordem, assim como o duque de Caxias e nosso
primeiro presidente republicano, marechal Deodoro da Fonseca.
Por tudo isso, não é exagero afirmar que o mundo em que vivemos foi
definido por essa sociedade secreta, que por três séculos vem reunindo a elite política e militar (e cultural) do Ocidente em
rituais cheios de códigos misteriosos.
A Maçonaria
Mas o que é maçonaria? Existem várias versões para a
criação da organização. A mais confiável remete à Idade Média, quando o
controle do comércio era feito pelas guildas, corporações de ofício que reuniam
artesãos do mesmo ramo e funcionavam como um antepassado dos sindicatos.
Um dos grupos mais poderosos era o dos pedreiros (em inglês, masons). Era um trabalho de alto status então, pois eram
responsáveis pela engenharia e pela construção de castelos e catedrais.
Pedreiros tinham acesso aos reis e ao clero e circulavam livremente entre os
feudos. Apelidados de free masons
(pedreiros livres), se reuniam nos canteiros de obras e trocavam segredos da
profissão.
Um dos documentos mais antigos sobre essas guildas é a carta de regulamentos de
Londres, 1356. Na época, era só um conjunto de regras para pedreiros.
Iniciação da Maçonaria, Paris, 1745 / Crédito: Reprodução
Para se identificarem em locais públicos e evitarem o vazamento de suas
conversas, criaram um sistema de gestos e códigos. Durante o Renascimento, os
pedreiros livres ficaram na moda. Seus encontros passaram a acontecer em salões,
chamados de lojas, que geralmente ficavam sobre bares e tavernas das grandes
cidades, onde a conversa continuava depois.
Intelectuais e membros da nobreza engrossaram a turma. Por influência deles, os
debates passaram a abranger religião e filosofia. Em 24 de junho de 1717, numa
reunião das quatro maiores lojas de Londres (então o maior centro maçom
europeu), na taverna The Goose and Gridiron nasceu uma federação, a Grande Loja de Londres.
Era o início oficial da maçonaria.
A Marselhesa
Em apenas três décadas, a organização já tinha se espalhado por toda a
Europa ocidental e havia alcançado a Índia, a China e a América do Norte.
Passou a ser conhecida, respeitada, mas, principalmente, temida.
Não era para menos. Ficava difícil confiar em um grupo de homens ricos e
poderosos, de diferentes áreas, que se reuniam a portas fechadas, usavam
símbolos esquisitos e faziam juramentos de fidelidade à tal organização e ainda
voto de silêncio.
Também não ajudou muito o tanto de lendas que surgiu sobre a origem da
maçonaria (em 1805, o historiador francês Charles Bernardin
pesquisou 39 diferentes). Tinha para todos os gostos: alguns integrantes da
ordem diziam que Noé era maçom, outros transformaram o rei Salomão ou os
antigos egípcios em fundadores.
Nem os templários escaparam. A Igreja Católica se incomodou tanto que, em 1738,
divulgou uma bula papal atacando a ordem, que décadas depois foi perseguida
pela Inquisição.
Além do sigilo, o que perturbava era a atitude sempre à frente de seu tempo.
Setenta anos antes da Revolução Francesa, esses homens cultos e influentes já
defendiam a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Tratavam-se sem distinção
e aceitavam todos os credos religiosos, uma atitude tremendamente avançada para
a época. Os ateus, porém, eram barrados.
The Goose and Gridiron,
onde foi criada a Grande Loja de Londres / Crédito: Reprodução
"Não formamos uma religião, mas somos um grupo de pessoas
religiosas. Nosso lema é fazer os homens bons ficarem melhores", diz o
maçom paulistano Cassiano Rampazzo, advogado de 35
anos. Com ele concorda a historiadora mineira Françoise Jean de Oliveira, co-autora do livro O Poder da
Maçonaria.
"A maçonaria não é religião, não tem dogmas. É um grupo que defende a
liberdade de consciência e o progresso." Isso não quer dizer que cada
participante possa agir como bem entende. "Ao entrar na ordem, o membro é
instruído sobre a 'moral universal', um conjunto de virtudes obrigatórias, como
bondade, lealdade, honra, honestidade, amizade, tranqüilidade
e obediência", diz Françoise.
A falta de preconceito se restringia a diferenças políticas e religiosas. A
fraternidade vetava analfabetos, deficientes e homens que não se sustentavam.
As mulheres até hoje não são bem-vindas (com exceção da França). Além disso, no
passado como no presente, só entra na ordem quem for convidado e passar por uma
avaliação rigorosa: nada de gente indiscreta, protagonistas de escândalos,
bêbados, brigões e adúlteros notórios.
Ainda assim, para os aprovados, a maçonaria foi a primeira entidade a funcionar
de acordo com os preceitos da democracia moderna. "Eles estimulavam
debates abertos, em que todos podiam participar, além das eleições livres e
diretas. Nada disso estava na moda no século 18. E, muito por influência dos
próprios maçons, tornou-se corriqueiro no século 21", afirma o historiador
alemão Jan Snoek, professor da Universidade de
Heidelberg e especialista no assunto.
Assim, nada mais natural que os líderes da Revolução Francesa de 1789 aderissem
à maçonaria. Nos anos que antecederam a queda do Antigo Regime, os adeptos se
multiplicaram. A influência foi tanta que uma canção composta e cantada na loja
de Marselha foi batizada de A Marselhesa e transformada no hino do país.
"Nem todos os ideólogos da revolução foram maçons. Marat e La Fayette eram, Robespierre e Danton, não. Mas, entre os
inimigos da monarquia, mesmo quem não participava da ordem tinha sido
influenciado por suas idéias", afirma o
historiador americano W. Kirk MacNulty, maçom há mais
de 40 anos.
Nas verdinhas
Além de divulgar idéias que atraíam a elite
progressista de seu tempo, a maçonaria era também um espaço propício à
conspiração política. Ao ingressar na ordem, os integrantes prometiam (e até
hoje prometem) não divulgar seus segredos e nem mesmo revelar a nenhum profano
(como são chamados os não-iniciados) o que é dito nas reuniões.
"As lojas maçônicas eram o lugar ideal para membros da elite de diferentes
pensamentos políticos se encontrarem", diz o pesquisador Jesus Hortal, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Além disso, quanto mais a maçonaria era acusada de ser um local de
conspiração política, mais ela era procurada por conspiradores.
A proteção das lojas ajudou a garantir o sucesso de um dos movimentos
históricos mais influenciados pela organização: a independência americana,
episódio que muitos historiadores chamam de "revolução
maçônica". Benjamin Franklin, um dos grandes responsáveis pela
criação dos Estados Unidos da América, era grão-mestre (o líder máximo na
hierarquia) na Filadélfia e responsável pela publicação no país do livro
Constituições, escrito pelo britânico James Anderson em 1723 e considerado a
declaração de princípios da entidade.
O líder dos rebeldes, George Washington, e o principal autor da Declaração de
Independência, Thomas Jefferson, também eram membros ativos, assim como um
terço dos 39 homens que aprovaram a primeira Constituição do país. Os três
usaram seus contatos com as maçonarias de outras nações, em especial da
Inglaterra, para garantir o sucesso da rebelião.
Cédula americana de US$1, esconderia símbolos maçom / Crédito:
Reprodução
Há quem diga que a nota de 1 dólar, com seu olho solitário, é
inteiramente marcada por símbolos maçons o olho, por exemplo,
simbolizaria Deus, coisa que os autores da cédula nunca confirmaram.
Reza a lenda que George Washington teria vestido um avental da ordem durante a
inauguração da capital, em 16 de julho de 1790, batizada em sua homenagem. Ele
ainda teria orientado os engenheiros a encher a cidade de símbolos secretos da
entidade. Por exemplo: algumas pessoas identificam o desenho de um compasso
unindo a cúpula do Capitólio, a Casa Branca e o Memorial Thomas Jefferson.
Pelo Mundo
No século 19, a maçonaria deu outras provas de sua capacidade de mudar a
história. Por volta de 1810, um grupo de defensores da unificação italiana se
reuniu com o nome de Carbonária. Inspirado nas estratégias e na hierarquia
maçons, a sociedade secreta, que continuou atuante até 1848, tentava estimular
uma rebelião espontânea dos trabalhadores, que implantariam os ideais liberais.
Dois dos maiores heróis da construção da Itália unificada participaram desse
grupo e depois foram aceitos pela maçonaria. Um deles, Giuseppe Mazzini
(1805-1872), acabou rompendo com os maçons por acreditar que a ordem mais
debatia que agia. Outro, Giuseppe Garibaldi (1807-1882), seria mais tarde
condecorado o primeiro maçom do novo país.
Depois de participar de um levante malsucedido em Gênova, Garibaldi fugiu para
o Rio de Janeiro em 1835. Encontrou um grupo de carbonários exilados que
mantinha contatos com a maçonaria brasileira. Através deles conheceu o maçom
Bento Gonçalves, o líder da Revolução Farroupilha. Em 1840, Garibaldi
instalou-se no Uruguai, onde se tornou oficialmente participante da sociedade
secreta.
Quando morreu, em seu país, deu nome a lojas no
Uruguai, Brasil, França, Estados Unidos, Inglaterra e Itália. Nas décadas
seguintes, os democratas italianos de esquerda, cujos integrantes cerrariam
fileiras na maçonaria, se destacaram pela defesa do sufrágio universal, da
educação gratuita de qualidade e da independência do Estado com relação à
Igreja.
É fácil entender como Garibaldi se tornou maçom na América do Sul. Desde o
começo do século 19, a ordem cresceu a ponto de ser fundamental para a
independência dos países da região. Nos países de língua espanhola, um dos
precursores do pensamento pela soberania foi o venezuelano Francisco de Miranda
(1750-1816), que, depois de participar da Revolução Francesa, foi iniciado na
maçonaria por George Washington.
Miranda fundou uma loja em Londres, batizada de Gran Reunión Americana. Ali, atuou na formação de três
libertadores da América: o chileno Bernardo O'Higgins
(1778-1842), o venezuelano Simon Bolívar (1783-1830) e o argentino José de San
Martín (1778-1850). Eles frequentavam a mesma loja, Latauro,
com sede em Cádiz, Espanha, e filiais latino-americanas.
Seus membros se denominavam cavaleiros da razão e previam a independência, o
fim da escravidão e a proclamação de repúblicas. Estima-se que a iniciação de
Bolívar tenha ocorrido na Europa, entre 1803 e 1806. San Martín, adepto desde
1808, fundou lojas no Chile, no Peru e na Argentina (que já abrigava casas
maçônicas desde 1775). O'Higgins frequentava a de
Mendoza.
Em terras brasileiras
A fraternidade existia em nosso país desde o início do século 19 e
contava com confrades de altos cargos da colônia. Entre os maçons decisivos
para a separação de Portugal estava José Bonifácio de Andrada e Silva
(1763-1838).
A ideia de conceder o título "Defensor Perpétuo e Imperador do
Brasil" ao príncipe herdeiro da coroa portuguesa surgiu na própria Latauro, mesmo lugar que organizou as primeiras festas de
rua pela independência, no Rio, em 12 de outubro de 1822. O envio de emissários
às grandes províncias brasileiras para articulação da Independência foi
organizado pelo Grande Oriente do Brasil, a federação maçônica nacional fundada
em 17 de junho do mesmo ano, de onde José Bonifácio foi grão-mestre.
José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência do
Brasil, por Benedito Calixto, 1763
Em 2 de agosto de 1822, o próprio dom Pedro I entrou para a entidade,
sob o codinome Pedro Guatimozim, uma homenagem ao
último rei asteca. Apenas três dias depois de iniciado, ele já tinha sido
alçado a mestre. Mais dois meses e já era o
grão-mestre do país.
Passados apenas 17 dias da promoção, Pedro, já imperador, abandonou a
fraternidade e proibiu suas atividades no Brasil. A melhor explicação dos
especialistas para a atitude é a insatisfação do monarca com uma entidade onde
a hierarquia era submetida a regras e podia ser questionada.
Em 1831, de volta legalmente à ativa, após a renúncia de dom Pedro e seu
retorno a Portugal, a maçonaria brasileira se multiplicou. Em 1861, a ordem se
mobilizou em apoio ao movimento abolicionista. No Ceará, lojas se reuniram para
comprar e libertar escravos.
Eusébio de Queiroz (1812-1868), que batizou a lei que proibia o tráfico de
escravos, era maçom. O visconde do Rio Branco (1819-1880), abolicionista e
chefe de Gabinete Ministerial entre 1871 e 1875, foi grão-mestre. Quando a Lei
Áurea foi assinada pela princesa Isabel (1846-1921), em 1888, o presidente do
Conselho de Ministros era o grão-mestre João Alfredo Correa de Oliveira
(1835-1919).
Das lojas também veio o apoio à mudança no regime de governo. Em 1889, a
República foi proclamada pelo confrade marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892),
que formou um ministério só com maçons. Dos 12 chefes de Estado até 1930, oito
eram maçons; dos 17 governadores de São Paulo durante a República Velha, 13
pertenciam à ordem.
Caça aos bruxos
A partir de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder,
a maçonaria brasileira passou a ser estigmatizada. Os delírios do integralista
Gustavo Barroso (1888-1959), de que a entidade unira-se
ao judaísmo para controlar a humanidade, faziam sucesso. O mesmo surto ocorreu
em outros países.
Na União Soviética, Leon Trótski (1879-1940)
denunciou um suposto complô maçom-judaico para dominar o planeta. Adolf Hitler
(1889-1945), que dizia que a maçonaria era uma arma dos judeus, mandou fechar
todas as lojas alemãs, prendeu líderes e, em 1937, organizou a Exposição
Antimaçônica. Aberta em Munique pelo ministro da propaganda, Joseph Goebbels, a
mostra reunia peças de lojas invadidas.
Na Espanha, em 1940, o general Francisco Franco (1892-1975) proibiu a
existência dos grupos e condenou seus membros a seis anos de prisão.
Nem só a perseguição fez organização perder poder. "A maçonaria não se
adaptou aos novos tempos", diz Françoise Souza.
"Ela foi poderosa enquanto era um local único de reunião de pessoas. Com a
consolidação da sociedade civil, surgiram outros espaços associativos, como
partidos, sindicatos e organizações não-governamentais. Além disso, causas
clássicas da maçonaria, como a liberdade religiosa, viraram
direitos."
Mas ainda existem locais onde a segurança e a valorização da liberdade de
expressão são fundamentais. É o caso de Israel. "Em Jerusalém, as lojas
reúnem cristãos, judeus e muçulmanos, que conversam abertamente, trocam
experiências e sabem que podem confiar uns nos outros", afirma o
historiador Jan Snoek. Em lugares assim a maçonaria
continua, como era em suas origens, uma organização inovadora.