Nossa Augusta Ordem é uma instituição em que o filosofar é tarefa que
requer todo o nosso interesse e reclama todo o nosso esforço. Em cada um
de nossos símbolos, em cada página de nossos Rituais e em cada etapa da
História Maçônica, temos sempre algum vestígio ou princípio de caráter
filosófico. Não se pode ser maçom autêntico sem adentrar ao estudo
filosofia, especialmente no Grau de Companheiro.
Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que filosofia?” E ele
respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem
maiores considerações”. A primeira resposta às perguntas “O que é
filosofia?” pode ser, pois, a decisão de não aceitar como óbvias e
evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os
comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem
antes havê-los investigado e compreendido. Em outras palavras,
distinguir o real do aparente.
A filosofia começa dizendo não às crenças e aos preconceitos do senso
comum, e, portanto, começa dizendo que não sabemos o que imaginávamos
saber. Por isso Sócrates, o patrono da Filosofia, afirmava que a
primeira e fundamental verdade filosófica é dizer: “Sei que nada sei”.
Preliminarmente, busquemos conhecer suas origens. A palavra filosofia é
grega, composta pela junção de duas outras: Philo e Sophia. Philo
significa amizade, amor fraterno. Sophia que dizer sabedoria e dela vem
a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela
sabedoria, amor e respeito pelo saber. O filósofo é aquele que ama a
sabedoria, que tem amizade pelo saber, que deseja saber.
Os Historiadores de Filosofia dizem que ela nasceu no século 7º e início
do século 6º antes de Cristo, embora não seja um fato especificamente
grego.
Em verdade, a Filosofia grega tem dívida com a sabedoria dos orientais,
não só porque as viagens colocaram os gregos em contato com os
conhecimentos produzidos por outros povos (sobretudo os egípcios,
persas, babilônios, assírios e caldeus), mas também porque os dois
maiores formadores da cultura grega antiga, os poetas Homero e Hesíodo,
encontraram nos mitos e nas religiões dos povos orientais, bem como nas
culturas que precederam a grega, os elementos para elaborar a mitologia
grega que, depois, seria transformada racionalmente pelos filósofos.
É que os gregos imprimiriam mudanças de qualidade tão profundas no que
receberam do Oriente e das culturas precedentes, que até parece terem
criado sua cultura a partir de si mesmos. Dessas mudanças, podemos
mencionar algumas que nos darão a ideia da originalidade grega:
Os gregos transformaram em matemática (aritmética, geometria, harmonia)
o que eram expedientes práticos para medir, contar e calcular;
transformaram em astronomia (conhecimento racional da natureza e do
movimento dos astros) aquilo que eram práticas de adivinhação e previsão
do futuro; transformaram em medicina (conhecimento racional sobre o
corpo humano, a saúde e a doença) aquilo que eram práticas de grupos
religiosos secretos para a cura milagrosa das doenças.
Os gregos, diante da herança recebida, inventaram a ideia ocidental da
razão como um pensamento sistemático que segue regras, normas e leis de
valor universal, isto é, válidas em todos os tempos e lugares. Assim,
por exemplo, em qualquer tempo e lugar 2+2 será sempre igual a 4; o
triângulo terá sempre três lados; o Sol sempre será maior do que a
terra, ainda que pareça menor do que ela etc.
Os gregos não inventaram apenas a ciência ou a filosofia. Mas inventaram
também a política (palavra que vem de polis, que, em grego, significa
cidade organizada por leis e instituições), instituindo práticas pelas
quais as decisões eram tomadas a partir de discussões e debates públicos
e eram adotadas ou revogadas por voto em assembleias públicas;
estabeleceram instituições públicas (tribunais, assembleias, separação
entre a autoridade do chefe de família e autoridades pública, entre
autoridade político-militar e autoridade religiosa) e, sobretudo,
criaram a ideia da lei e da justiça como expressão da vontade coletiva
pública e não como imposição da vontade de um só ou de um grupo, em nome
de divindades.
Analisemos a Filosofia grega em seus dois primeiros períodos: o
pré-socrático, ou cosmológico, e o socrático, ou antropológico.
Os principais expoentes do período cosmológico foram Tales de Mileto,
Pitágoras e Parmênides. Como principais características dessa época,
podemos destacar a explicação racional sobre a origem, ordem e
transformação da natureza, da qual os serem humanos fazem parte; a
afirmação de que “nada vem do nada e nada volta ao nada”, isto é, que o
mundo (cosmo) ou a Natureza é eterno; que nada se cria ou tudo se
transforma sem jamais desaparecer; e a afirmação de que todos os serem
além de serem gerados e serem mortais estão em contínua transformação,
sem por isso perder sua ordem, sua forma e sua estabilidade. A mudança –
nascer, morrer, mudar de qualidade ou de quantidade – chama-se
movimento. E o mundo está em movimento permanente.
Já o filósofo Sócrates, considerado o patrono da Filosofia, propunha que
antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os
outros, cada um deveria primeiro, conhecer-se a si mesmo. A expressão
“conheça-te a si mesmo”, gravada no pórtico do Templo de Apolo, patrono
grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates.
Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si
mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que se
diz que o período socrático é antropológico, isto é, voltado para o
conhecimento do homem, particularmente do seu espírito e de sua
capacidade para conhecer a verdade.
O retrato que a história da Filosofia possui de Sócrates foi traçado por
seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão.
Segundo ele, Sócrates era um homem que andava pelas ruas e praças de
Atenas, pelo mercado e pela assembleia, indagando a cada um: “Você sabe
o que é isso que você está dizendo?” “Você acha que conhece realmente
aquilo em que acredita aquilo em que está pensando, aquilo que está
dizendo?” “Você diz”, falava Sócrates, “o que a coragem é importante,
mas o que é a justiça?” Você acredita que a justiça é importante, mas
que é a justiça? Você diz que ama as coisas e as pessoas belas, mas o
que é beleza?
Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os valores nos quais os
gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Sua perguntas deixavam os
interlocutores embaraçados, pois quando tentavam responder, descobriam
surpresos, que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e suas
ideias.
Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates
respondesse por elas ou para elas, mas Sócrates, para desconcerto geral,
dizia: “Eu também não sei, por isso estou perguntando”.
A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia. O que
procurava Sócrates? Procurava a essência verdadeira da coisa, da ideia,
do valor. Procurava o conceito e não a mera opinião.
Qual a diferença entre uma opinião e um conceito?
A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época
para época. É instável, mutável, depende de cada um, de seus gostos, e
preferências. O conceito, ao contrário, é uma verdade intemporal,
universal e necessária que o pensamento descobre, após análise racional,
reflexão isenta de preconceitos e pela prática da meditação.
Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates fazia os atenienses
pensar, não só sobre si mesmos, mas também sobre a polis. Aquilo que
parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto. Para
os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo. Por isso, eles o
acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as
leis.
Levado perante a assembleia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a
tomar um veneno – a cicuta – e obrigado a se suicidar. Por que Sócrates
não se defendeu? “Porque”, dizia ele, “se eu me defender, estarei
aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os
Juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a
morte a ter de renuncia à Filosofia”. Essa narrativa consta da obra
Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates feita por seus
discípulos, contra Atenas.
Ao longo da história, o pensamento filosófico percorreu os mais variados
caminhos, seguiu interesses diversos, elaborou muitos métodos de
reflexão e chegou a várias conclusões, em diferentes sistemas. É verdade
que muitos desses sistemas filosóficos e até mesmo religiosos tidos como
doutrinas verdadeiras acabaram por se tornar equivocados, na medida em
que se arrogaram detentores exclusivos da Verdade, surgindo daí os
dogmas, isto é, os pontos indiscutíveis de qualquer doutrina ou sistema,
que devem ser aceitos sem exame e sem crítica.
Ocorre que a Verdade, esse mistério inatingível, que nos atrai com força
irresistível, é muito vasta, muito vivaz, muito livre e muito sutil para
deixar-se prender, imobilizar e petrificar na rigidez de um sistema
filosófico. Cada ser humano detém a sua verdade, que é a concepção do
momento em torno de um assunto, problema ou equação. As verdades
científicas, então, são as mais mutáveis. Basta lembrar que em
determinado momento da história da humanidade acreditava-se que a Terra
era quadrada. Em outra época, que ela era o centro do Universo, com os
demais planetas girando em seu redor.
Tudo isso nos leva a concluir que a Verdade Absoluta é algo inatingível,
é uma abstração. Aliás, a essência da Filosofia não é a verdade
absoluta, senão a busca da mesma, o que o Maçom faz, incessantemente, a
partir da Iniciação. O saber filosófico maçônico nunca está findo ou
concluso, pois filosofar é buscar o saber. As perguntas têm, na
filosofia maçônica, maior importância que as respostas, pois, valendo-se
do valor dos símbolos, toda resposta provoca e gera outra pergunta.
Uma fórmula moderna do que se deve entender por filosofa é conversar
consigo mesmo, refletir sobre os próprios pensamentos e meditar para,
finalmente, encontrar a sua verdade. São atividades interiores cujos
resultados tem se revelado dos mais promissores, posto que brota e
floresce da própria consciência. Infelizmente, a atividade filosófica
não surge para todos os Maçons, nem se faz presente no momento da
Iniciação, uma vez que nem todos estão sintonizados com esses valores.
Essa flexão corre porque o homem vive submerso e afogado na vida
puramente substantiva e animal, ocupado em satisfazer suas necessidades
vitais. Essa maneira de viver é fomentada, na atualidade, pelo mundo da
ciência e da tecnologia. Somos escravos do relógio.
Trabalhamos como máquinas, obedecemos cegamente a hábitos e rotinas,
cumprimos atos triviais e sem sentido, desenvolvemos o ritual em Loja
sem nos preocuparmos com o seu real significado. Não podemos “perder
tempo” ouvindo um amigo, olhando as estrelas, brincando com uma criança
ou vendo um por do sol.
Pitágoras contava três tipos de pessoas que compareciam aos jogos
olímpicos, a festa mais importante da Grécia: as que iam praticar o
comércio durante os jogos, ali estando apenas para servir a seus
interesses, sem preocupação com os jogos ou com as disputas; as que iam
para competir, isto é, os atletas e os artistas, pois havia também
competições de dança, poesia, música e teatro; e finalmente as que iam
para contemplar os jogos e torneios, para avaliar o desempenho e julgar
o valor dos que ali se apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia
Pitágoras, é o filósofo.
Com isso, Pitágoras queria dizer que o filósofo não é movido por
interesses financeiros, não coloca o saber como propriedade sua, como
uma coisa para ser comprada e vendida no mercado. Também não é movido
pela competição, quer dizer, não faz das ideias e dos conhecimentos uma
habilidade para vencer competidores ou atletas intelectuais, mas é
movido pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas,
as ações, a vida. Em resumo: pelo desejo de saber. A verdade não
pertence a ninguém, ela é o que buscamos e está diante de nós para ser
contemplada e vista, se tivermos olhos do espírito para vê-la.
O Maçom há de ser um filósofo, na medida em que deve amar a sabedoria,
buscar incessantemente a verdade, ir além das aparências, combater a
ignorância e os preconceitos, discutir ideias e não coisas, e,
principalmente, refletir sobre o Enigma da Vida: “De onde viemos o que
somos, para onde vamos?” Qual o verdadeiro sentido da vida? Qual o nosso
papel na sociedade em que vivemos? Quais as nossas possibilidades, quais
as nossas responsabilidades? Estamos colocando à Glória do Grande
Arquiteto – e a serviço da humanidade – os talentos que Ele nos dotou?
Estamos ajudando a construir uma sociedade mais justa e perfeita?
Cada um que tire suas conclusões...
Ir.´. Ricardo Aparecido dos Reis
fonte: Blog Formadores de Opinião