JURA EM PROSA
E VERSO
MORAL E
CIVISMO - TEXTOS
Masculinidade(s)
e violência de gênero
Alexandre
Santos Pereira
O
desafio de proteger a vítima e responsabilizar o agressor sem recorrer ao punitivismo.
O
significado de masculinidade por muito tempo esteve vinculado à ideia
tradicionalista dos atributos obrigatórios ao homem para se reconhecer enquanto
tal, negando inicialmente para si as características culturalmente
classificadas como “femininas”, como a sensibilidade, e o (auto)cuidado e
absorvendo para o masculino a virilidade (Bloc &
Georges, 1996), baseado em sociedade fundamentalmente patriarcal.
Se
o homem em questão
for negro, adicione uma série de características que o hiperssexualize
e reduza sua condição de intelectualidade e humanidade.
Entretanto,
através das novas demandas sociais e do surgimento e expansão dos estudos de
gênero, falar sobre masculinidade passou a exigir falar sobre masculinidadeS, que possuem diferentes posições nas
relações de poder e apresentam possibilidades outras de se identificar como
homem, que mesmo ainda dentro do contexto patriarcal, buscam se distanciar da
perspectiva tradicionalista e conservadora.
Direcionando
o conceito ao fenômeno social da violência de gênero, estudar masculinidades se
torna imprescindível para uma série de frentes de ação para intervir no
problema: contribuir para a proteção das vítimas, para responsabilizar
proporcional e pedagogicamente o agressor e multiplicar, para as pessoas
envolvidas e para toda a sociedade, a ideia de que construir uma identidade
enquanto homem não precisa ter qualquer relação com o conjunto de
comportamentos de risco (para os outros e para si, consequentemente) que o
“pacote masculino” tradicionalista impõe.
Muitas
estudiosas(os) têm se engajado para desenvolver ações e políticas públicas que
pensem essa masculinidade (auto)destrutiva.
Algumas
destas frentes está no campo penal, pensando em alternativas penais à prisão
para situações que não representadas por crime hediondo, além de grupos
reflexivos tanto para estes quanto para os homens encarcerados Elisabeth
Badinter em sua obra .
Sobre
a Identidade Masculina enfatiza que desde criança o homem é ensinado a sê-lo
dentro da masculinidade oriunda do patriarcado, o que significa dizer que
pensar intervenções para homens no momento pós violência por si só já
representa a grande dificuldade desta empreitada, mas que também pode ser
pensada como um caminho estratégico e necessário para multiplicar o que estes
mesmos homens absorvem e refletem para os outros homens em sua vida e em
contextos diversos aos do sistema de justiça criminal. Iniciativas como as
alternativas penais e os grupos reflexivos representam importantes avanços no
campo penitenciário, principalmente quando nos referimos a um sistema tão letal
e que desde sempre nunca teve intenção alguma de propor a chamada
ressocialização, mas animalização e morte social.
A
complexidade do desafio de enfrentar as estruturas deste sistema é enorme, mas
se faz urgente enfrentá-lo.
Enquanto
não forem aplicadas políticas outras que proponham a este homem que
gradativamente é ensinado a violentar, um modelo de responsabilização que lhe
leve à consciência e reflexão sobre sua própria condição na sociedade,
continuará se perpetuando o ciclo já conhecido de dor, revolta e vingança e
morte, sentimentos que encontram terreno fértil nas superlotadas celas nos
complexos prisionais Brasil afora.
Alexandre
Pereira é psicólogo e assessor técnico na Central de Apoio e Acompanhamento às
Penas e Medidas Alternativas. - Arquivo pessoal