Arthur Schopenhauer
Pessoas com poucas capacidades não conseguirão realmente assimilar com facilidade uma língua estrangeira: embora aprendam as suas palavras, empregam-nas apenas no significado do equivalente aproximado da sua língua materna e continuam a manter as construções e frases próprias desta última. Com efeito, esses indivíduos não conseguem assimilar o espírito da língua estrangeira, que depende essencialmente do facto do seu pensamento não se dar por meios próprios, mas, em grande parte, de ser emprestado pela língua materna, cujas frases e locuções habituais substituem os seus próprios pensamentos.
Eis, portanto, a razão de eles sempre se servirem, também na própria língua, de expressões idiomáticas desgastadas, combinando-as de modo tão inábil, que logo se percebe quão pouco se dão conta do seu significado e quão pouco todo o seu pensamento supera as palavras, de modo que tudo se reduz a um palratório de papagaios.
Pela razão oposta, a originalidade das locuções e a adequação individual de cada expressão usada por alguém são o sintoma inequivocável de um espírito preponderante.
Por conseguinte, de tudo isso resultam os seguintes factores: no aprendizado
de toda a língua estrangeira, são formados novos conceitos para dar
significado a novos signos; certos conceitos separam-se uns dos outros,
enquanto antes constituíam juntos um conceito mais amplo e, portanto, menos
definido, justamente porque havia apenas uma palavra para ele; são
descobertas revelações até então desconhecidas, pois a língua estrangeira
define o conceito mediante um tropo que lhe é peculiar ou mediante uma
metáfora; desse modo, graças ao aprendizado de uma nova língua, entram na
consciência uma infinidade de nuances, semelhanças, diferenças, relações
entre os elementos; finalmente, obtém-se uma visão mais ampla de todas as
coisas.
A consequência
disso tudo é que em toda a língua se pensa diversamente, de modo que o nosso
pensamento recebe uma nova modificação e uma nova coloração sempre que
aprende um idioma, o que faz com que o poliglotismo, além das suas muitas
utilidades indirectas, seja também um
meio directo de formação intelectual,
na medida em que ele corrige e aperfeiçoa as nossas opiniões, bem como
aumenta a agilidade do pensamento graças à multiplicidade e à nuance dos
conceitos que ressalta, pois, com o estudo de muitas línguas, e assim o
conceito liberta-se cada vez mais da palavra.
Arthur Schopenhauer,
in 'Da Língua e das Palavras'